Um Elefante Sentado Quieto (2018)

Teatro Magnético
3 min readMar 28, 2021

Existe um elefante num zoológico em Manzhouli que passa seus dias sentado quieto. Não importa o quanto ele é empurrado ou até mesmo agredido, continua quieto. É assim que somos recepcionados nessa jornada por um dia na vida de várias personagens diferentes vivendo no marasmo de uma cidade no norte da China. Seus caminhos se cruzam por circunstâncias extraordinárias ou cotidianas, mas todas compartilham o mesmo senso de vazio existencial e perda iminente.

Wei Bu é de uma família pobre e descobre que sua escola, a pior da cidade, vai fechar. Ele e seu melhor amigo Li Kai estão sendo perseguidos por Yu Shuai porque esse acredita que teve seu celular roubado por Kai. O confronto entre eles se transforma em tragédia e Wei Bu se encontra numa situação de desamparo total.

Yu Cheng é quem nos conta a história do elefante no início do filme. Ele é um gângster que foi flagrado com a mulher do melhor amigo pelo próprio, que se atira da janela por consequência. Enquanto tenta evitar o que aconteceu em sua frente, ele é taxado por sua mãe a encontrar o responsável por uma tragédia na família ocorrida no mesmo dia.

Wang Jin é um ex-soldado que mora com a família do filho no mesmo prédio que Wei Bu. Seu filho o pede para sair de casa e ir morar num asilo de idosos, pois ele e a mulher estão tentando colocar a filha pequena deles em uma escola boa e isso acarretaria num custo impossível de manter com quatro pessoas morando na mesma casa.

Huang Ling está tendo um caso com o vice-diretor da escola. O caso é descoberto e a mulher dele a procura cobrando explicações não só pela traição, mas pela iminente ruína do vice-diretor. Como se fosse culpa dela.

Um Elefante Sentado Quieto, dirigido por Hu Bo, pode ser caracterizado como mais um exemplo de slow cinema, assim como A Mulher Que Se Foi, filme discutido em um post anterior. Contudo, em termos estilísticos os dois filmes chegam a esse rótulo de maneiras completamente diferentes. Enquanto a câmera de Lav Diaz é quase que sempre estática, Um Elefante… é caracterizado por movimento constante. A câmera acompanha personagens vivendo seu cotidiano em planos sequências fluidos, influenciados pelo cinema do mentor de Hu Bo, o húngaro Béla Tarr, além do realismo dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne. Sentimos toda a ação se desenrolar quase que em tempo real, com momentos de confronto entre personagens servindo mais para pontuar longos períodos de contemplação.

A figura do elefante aparece como um objetivo de fuga para os personagens. Tanto Yu Cheng quanto Wei Bu mencionam o desejo de ir até Manzhouli para vê-lo logo após as tragédias que ambos se envolvem. Wei Bu chega a ser enganado por um cambista que o vende ingressos falsos para o zoológico antes de o entregar para os capangas de Yu Cheng, que eventualmente o deixa ir ao descobrir seu destino em comum. Todos os personagens principais desse filme estão procurando se não salvação, ao menos um exemplo de como conseguir se manter alheio às agressões do cotidiano e o niilismo da vida contemporânea.

A figura talvez mais triste do filme seja Wang Jin. A única companhia que ele possui é tirada dele de maneira violenta, ele não consegue nenhum tipo de resolução com relação a isso e quando encara de frente seu futuro ao visitar o asilo de idosos local, se depara com uma cena desesperadora, com a trilha sonora post rock de HuaLun ecoando no silêncio dos corredores e dos quartos cheios de pessoas sem voz para gritar.

Caso não tenha percebido, estamos falando de um filme extremamente deprimente. São quatro horas de puro niilismo, o que pode ser extremamente difícil para muitos, mas tudo na tela apresentado de maneira tão humana e comovente que é capaz de dar certa esperança, de nos fazer torcer para eles encontrarem o mítico elefante e verem se conseguem algo com isso. Se apenas tivesse sido possível para o diretor encontrar uma redenção semelhante.

Logo após finalizar Um Elefante Sentado Quieto, em 2017, Hu Bo cometeu suicídio. Durante a première do filme em Paris, Béla Tarr, disse sentir ter feito pouco demais para impedir a morte de seu protegido, e que o mundo precisa cuidar coletivamente de indivíduos como Hu. Não só de indivíduos como ele, mas como seus personagens também, adiciono.

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Críticas, artigos e pensamentos gerais sobre cinema, por Pedro Hollanda