Tenet (2020) e, por consequência, A Origem (2010)

Teatro Magnético
3 min readMar 24, 2021

Você sabe que um fã de Christopher Nolan quer realmente se mostrar conhecedor da sétima arte quando começa a falar sobre como A Origem é realmente sobre o processo de criação de um filme. Isso de uma certa maneira é verdade considerando que é um filme de assalto, e por características associadas à história, linguagem e tropes acabam fazendo todos os exemplos desse subgênero serem figurativamente sobre o processo cinematográfico.

A diferença no caso de A Origem reside na inversão do ato fundamental do filme. Ao invés de roubar algo, uma ideia é implantada, e isso pode ser interpretado como a apresentação de um conceito para o espectador. Cinema não só como arte, mas peça de comunicação em massa.

Em Tenet, Christopher Nolan aplica algo semelhante a essa exploração do processo cinematográfico, mas focado em um âmbito muito mais pessoal do que em A Origem. Ao invés de explorar o processo de apresentar uma ideia ao espectador da maneira mais clara e artística possível, o foco dessa vez é se aprofundar no estudo de onde vem inspiração artística e o trabalho necessário para satisfazer essa.

John David Washington interpreta um espião sem nome que recebe a missão de impedir um traficante de armas russo interpretado por Kenneth Branagh. Para ajudá-lo, entra em cena a figura de Neil, interpretado por Robert Pattinson. Neil parece conhecer o protagonista de outras viagens, mas mantém em geral uma postura ambígua sobre o assunto. Ele providencia exposição e é quem acaba arquitetando os planos de infiltração e ataque quando necessários, coreografando tudo com equipes treinadas capazes de fazer tudo parecer real o suficiente para as pessoas envolvidas na situação, mas não no plano, acreditarem. De todos os avatares do diretor numa filmografia cheia deles, Neil é o mais claro de todos. Ele é Christopher Nolan por outro nome.

E é aí que a compreensão do filme se torna interessante. Nolan parece querer explorar como filmes são construídos e desconstruídos durante o processo criativo para atender à inspiração fundamental. Isso torna a relação com o tempo e a integridade desse mais fluida. O tempo em Tenet é invertido porque às vezes começamos a bolar uma história ou sequência de ação pelo final para trabalhar de ré e ter uma ideia mais clara de onde a história vai terminar. O problema é que ao explorar tudo isso, Nolan deixa para trás seu conceito de cinema como ferramenta de comunicação em massa.

Em A Origem, os membros da equipe de Cobb discutem o melhor jeito de transmitir a mensagem a que lhes foi confiada. Precisava ser de tal maneira a fazer seu receptor nem perceber ter sido influenciado. No caso de Tenet, temos um filme de espionagem, um subgênero completamente diferente com própria história, linguagem e tropes — apresentados com até reverência por Nolan — e a ideia de inversão temporal é apresentada de maneira relativamente clara. O problema é: não existe uma justificativa satisfatória para a presença desse recurso no filme. Ele só está presente, todo mundo parece saber utilizar e a explicação dentro da trama para o surgimento dentro do universo do filme é algo explorado de maneira muito mais elegante em filmes como Looper (2021), de Rian Johnson.

Sem falar que essa inversão temporal acaba prejudicando gravemente o filme. Uma vez que somos expostos às minúcias da mecânica por trás do recurso, tudo acaba adquirindo uma inevitabilidade na virada do segundo pro terceiro ato. Se isso é uma tentativa de Nolan de criticar ou desconstruir o cinema de ação moderno, ela falha porque a beleza desse é fazer o público acreditar que talvez não dê certo, ou que um pequeno revés na hora H é capaz de colocar tudo a perder. No caso de Tenet, nós sabemos exatamente o que vai acontecer e toda ação até lá se torna protocolar.

O resultado final acaba sendo muito som e fúria sem muito significado. As sequências de ação são muito bem coreografadas nos primeiros dois atos, mas tudo no clímax dá a impressão de estar acontecendo ao mesmo tempo e como espectador, é difícil não sentir uma sensação semelhante a estar no meio de uma sala com várias pessoas tendo várias conversas simultâneas ao mesmo tempo de estarem participando de uma macro discussão. Tudo mixado com volume baixo.

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Críticas, artigos e pensamentos gerais sobre cinema, por Pedro Hollanda