Sonatine (1993)

Teatro Magnético
3 min readApr 1, 2021

Poucas figuras do cinema internacional possuem uma discrepância tão grande entre os motivos para sua fama em sua terra natal comparado ao resto do mundo quanto Takeshi Kitano. Para fãs de cinema no ocidente, o ator/diretor japonês é uma figura digno de culto devido a seus filmes de yakuza extremamente violentos e niilistas, além de seu estilo minimalista de atuação. No Japão, contudo, ele é uma figura lendária da comédia pastelão, ajudando a popularizar o estilo conhecido como manzai além da cidade de Osaka, tornando-se assim um Leandro Hassum nipônico.

Seu primeiro filme como diretor, Violent Cop, originalmente era para ser dirigido por Kinji Fukusaku, cineasta responsável pela adaptação do mangá Battle Royale. Problemas com cronograma causaram a saída de Fukusaku e o distribuidor resolveu deixar Kitano dirigir sem pressa, quando sua agenda permitia. Já se mostravam presentes várias marcas do que viria a ser a trilogia gângster dele: planos longos sem muito movimento de câmera, diálogos breves e humor sequíssimo. Mas a fórmula continuaria sendo refinada até culminar no filme final da trilogia, Sonatine.

Kitano sempre teve em seus filmes uma afinidade por momentos de violência extrema e súbita, mas em Sonatine essa exploração ganha contornos novos. O filme conta a história de Murakawa, um capo da yakuza cansado da vida de gângster. Ele é enviado por seu chefe para ajudar a resolver uma disputa em Okinawa, sabendo da possibilidade de estar sendo enviado para uma emboscada. Chegando lá, ele e seus homens se deparam com a emboscada, e os sobreviventes se escondem numa casa na praia, passando os dias brincando como crianças.

Kitano usa o silêncio e estoicismo de seus personagens para fazer tanto a violência parecer mais aterradora quanto as situações em geral que se encontram em cena parecerem mais ridículas. Murakawa e seus homens muitas vezes nem procuram abrigo durante tiroteios, simplesmente abrindo fogo indiscriminado em pé no meio do recinto sem esboçar qualquer tipo de emoção. A violência se tornou tão banal para essas pessoas a ponto de não significar nada digno de reação, e acabam conferindo às suas vidas e possível morte violenta a mesma banalidade, não se importando.

Isso muda ao se esconderem na casa de praia. Os gângsters vão se envolvendo em jogos cada vez mais infantis com contornos violentos à medida que a visão banal sobre violência volta à tona. Kitano aí acaba criando uma ligação entre a vida violenta de um yakuza e brincadeiras de criança. Os membros da gangue todos se encontram num estado de limbo entre a infância sem responsabilidades ou conhecimentos sobre o mundo e a realidade dura da criminalidade, tão removida da sociedade a ponto de ser incapaz de se chamar de vida adulta.

E é mostrando como essa realidade é essencialmente absurda que Kitano subverte convenções do gênero yakuza. Popularizado nos anos 60, filmes de yakuza mostravam uma alternativa moderna aos clássicos de samurai. Existiam as figuras nobres e os vilões, mas uma constante era a caracterização da violência como algo sério e dramático, além dos personagens como adultos inteligentes. Isso não acontece em Sonatine. Todos mundo é, de uma certa maneira, idiota. Podem ser competentes na atividade criminosa, mas são idiotas cujas únicas noções concretas são da futilidade de suas existências, o quão próximos sempre estão da morte violenta e o quão ridículo tudo isso é.

E é essa noção de ridículo que diferencia os filmes de Kitano de outros clássicos niilistas sobre o crime. Sonatine satiriza o gênero não fazendo piadas, mas apontando como tudo é uma piada se analisado profundamente. O público japonês não entendeu a piada, entretanto. O filme foi um fracasso tão grande que distribuidores se recusaram inicialmente a licenciar a distribuição internacional da obra. Quando convencidos do contrário, acabou se mostrando a plataforma para Kitano desenvolver uma carreira internacional e proporcionar uma avaliação de seus filmes divorciada do contexto de sua fama anterior.

E assim o Leandro Hassum da comédia japonesa virou também o Albert Camus dos filmes de yakuza.

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Críticas, artigos e pensamentos gerais sobre cinema, por Pedro Hollanda