Nomadland (2020)

Teatro Magnético
3 min readMar 17, 2021

O filme mais recente de Chloé Zhao abre com um letreiro contando a história de uma cidade mineradora no Oeste americano que, impactada pela crise imobiliária de 2008, foi aos poucos sucumbindo, perdendo habitantes até o ponto de perder o status de cidade junto ao governo americano. Além de nos informar em qual época a história se passa, também somos confrontados com o tema principal da obra. Luto.

É um tanto estranho tentar escrever sobre aspectos técnicos — a colaboração visual entre Zhao e o fotógrafo Joshua James Richards captura a beleza natural das locações com o mesmo esplendor e simplicidade de filmes de Terence Malick — e performances desse filme, uma vez que é um elenco quase todo de não-atores e os profissionais fazem trabalhos tão sutis que te fazem acreditar estarem vivendo em frente às câmeras como realmente são. Frances McDormand especialmente parece estar redefinindo como descrevemos uma atuação sem firulas. Normalmente usamos essa descrição para uma desglamourização proposital, enquanto aqui ela simplesmente deixa todos os artifícios de lado e parece simplesmente existir em cena.

Nós passamos o filme inteiro acompanhando a personagem de McDormand, Fern, viúva que perdeu seu trabalho como professora e agora vive em sua van convertida para servir também de moradia. Ela é gentil com todo mundo, amigável, mas em função dessa existência nomádica, toda interação carrega uma qualidade efêmera, ou ao menos é a impressão de como ela aborda tais. Entre suas andanças, Fern conhece pessoas que a apresentam ao movimento nômade, onde qualquer um pode aprender medidas de autossuficiência que permitem viver uma existência descrita nos EUA como off the grid.

Contudo, ao contrário de filmes como Na Natureza Selvagem, essa busca por uma vida onde o seu lar é a terra inteira e seu teto é o céu estrelado não é romantizado. É uma vida difícil, com ela fazendo trabalho sazonal em centrais de processamento da Amazon, lavando banheiros e fritando hambúrguer em pontos turísticos para financiar sua jornada contínua para a frente. Quando sua van quebra ou pneu fura, o desespero é palpável.

Fern, assim como muitas das pessoas que aparecem ao longo do filme como nômades, o são não por fazerem uma grande busca espiritual por uma verdade universal ou uma vontade irresponsável de se desprender de sua existência. Todo mundo ali é mostrado tendo sofrido algum tipo de perda, seja emprego, parente ou até mesmo a própria saúde. São pessoas que se sentem abandonadas, sem um lugar no mundo à sua volta. Logo, o constante movimento.

Quando Fern visita sua irmã procurando ajuda e descobrimos um pouco sobre seu passado, sentimos junto com ela o senso de não-pertencimento à sociedade tradicional, mas não por causa de uma rebeldia juvenil ou wanderlust. Todas as estradas que ela percorre ao longo do filme, todas as pessoas que ela conhece, tudo a leva de volta à origem de sua perda. Uma cidade fantasma, uma casa abandonada, uma vida — não no sentido físico, mas sim emocional, de construir uma, botar raízes e se deixar florescer — apagada, devastada.

De certa maneira Nomadland é um filme pós-apocalíptico porque passamos toda sua duração acompanhando pessoas tentando reconstruir suas existências num ambiente desinteressado em dar lugar a elas. E como é possível seguir adiante, encontrando pessoas passando pelo mesmo ou que passaram, sobreviveram e querem ajudar outros. É um filme repleto de dor, mas também compaixão e o incentivo a continuar em frente. Afinal, independente de qualquer coisa que aconteça, nós com certeza nos veremos estrada à frente.

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Teatro Magnético

Críticas, artigos e pensamentos gerais sobre cinema, por Pedro Hollanda