A Rede Social (2010)

Teatro Magnético
5 min readMar 25, 2021

Esse texto é parte de uma série que tentarei manter por aqui chamada The Winner’s History of Film, sobre os maiores vencedores do cinema na década passada.

Creio ser possível contar em uma mão a quantidade de filmes indicados ao Oscar de Melhor Filme na década de 2010 que tiveram o mesmo impacto de A Rede Social nas bilheterias e na cultura em geral. Lançado justamente no momento de ascendência mundial do Facebook e o reconhecimento de Mark Zuckerberg como não só uma das figuras mais consequentes da sociedade em nosso tempo, é extremamente raro um filme hollywoodiano capturar o espírito da época tão bem, antes mesmo de se solidificar. Vista por muitos como um retrato um tanto injusto do criador do Facebook, hoje em dia parece premonitório, e vale a pena explorar certos aspectos do filme.

Existe uma ausência interessante em A Rede Social, apontada pela própria figura retratada no filme. Em suas diversas respostas à sua caracterização, Mark Zuckerberg se mostrou incomodado que sua então noiva e eventual esposa, Priscilla Chan, não aparece no filme. Poderíamos num nível superficial ficar emocionados com a importância dada por ele à figura dela em sua vida, até ler um pouco mais sobre o processo por trás do desenvolvimento do filme e, principalmente, como os pontos de vista narrativos utilizados pelo diretor David Fincher explicam essa ausência.

Baseado em The Accidental Billionaires, best seller de Ben Mezrich sobre a criação e ascendência do Facebook em meio a processos e disputas sobre propriedade intelectual, o roteiro de Aaron Sorkin não se limita apenas a acreditar na palavra escrita pelo autor do livro. Procurando um retrato um pouco mais completo da situação, ele procurou os autos dos dois casos que sustentam o conflito central do filme, e é aí que o retrato de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, na melhor performance da carreira) principalmente se baseia. Nas palavras do próprio em tribunal.

Em termos de estrutura, o filme usa dois depoimentos diferentes, às vezes concordantes e muitas outras discordantes. O que normalmente seria um drama de tribunal se torna uma variação interessante do estilo de narrativa introduzido pelo clássico japonês Rashomon. Fincher constroi um filme onde cenas de depoimento informam uma à outra e factoides em um caso são capazes de ser fontes enormes de conflito no outro.

Zuckerberg fala principalmente sobre a origem do Facebook em Harvard, do site Facemash e como ele não roubou o Facebook de um grupo formado pelos irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer interpreta ambos com ajuda de CGI e o dublê de corpo Josh Pence) com seu sócio Divya Narendra (Max Minghella), cujo site ele foi contratado para criar pelos três. Nesse lado da narrativa, o foco é dado na discussão sobre propriedade intelectual, com o foco pessoal dado inteiramente aos sócios deixados para trás. Enquanto Zuckerberg é visto pelos Winklevoss como uma figura que acaba se tornando onipresente devido ao sucesso da ideia roubada, eles não possuem nenhum conhecimento sobre a vida pessoal dele e o funcionamento interno do Facebook.

Isso já é o território narrativo de Eduardo Saverin (Andrew Garfield, na melhor performance da carreira). Seu lado da história conta como foi um dos fundadores do Facebook e como gradualmente o empurraram para fora da sociedade numa artimanha orquestrada na opinião dele por Sean Parker (Justin Timberlake, para completar a trifecta de “melhor performance da carreira”, embora no caso dele não tenha muita competição).

Parker foi um dos fundadores do Napster, um programa de compartilhamento de arquivos que revolucionou como pessoas utilizavam a internet, e também a razão pela qual a empresa Napster foi completamente destruída pelas gravadoras americanas. Em um email, ele se referiu ao comportamento dos usuários como pirataria, dando a prova necessária para tudo cair por terra. Quando somos apresentados a ele no filme, vemos um sujeito tão carismático quanto suspeito, a clássica figura do corruptor.

Enquanto Saverin vê ele como uma ameaça à companhia em geral e a ele em particular por ser o principal investidor do Facebook até então, o vemos também construir a visão apresentada a nós que Zuckerberg teria de Parker. Alguém semelhante, com ambição e, mais importante, a pessoa que Mark gostaria de ser. O período de tempo em que Priscilla Chan estaria mais presente na vida de Zuckerberg é também a parte do filme cujo narrador é Eduardo Saverin, e para ele a única pessoa relevante na vida do amigo é Sean Parker. Seu lado da narrativa a partir daí mostra o equivalente a vinhetas de interações com os dois, ilustrando o quanto estava sendo deixado de lado. Não é à toa que Priscilla Chan não é mencionada. O narrador estava sendo excluído de todos os aspectos da vida do protagonista.

O que esses dois casos tem a ver um com o outro? Nada. Eles são ferramentas narrativas para construir uma imagem do tipo de pessoa que Zuckerberg é capaz de ser. Ao final do filme vemos o que parece ser uma realização na parte do protagonista de quem Sean Parker realmente é, e isso seria uma fonte de arrependimento dele de ter prejudicado o amigo, mas o próprio filme oferece uma réplica a essa narrativa de pobre coitado Mark Zuckerberg.

Na primeira cena do filme — uma das pouquíssimas cenas em que não temos a visão de alguém sobre ele, e sim Zuckerberg como uma voz ativa na narrativa — vemos uma sequência num bar dele conversando com sua namorada, que o interrompe e termina com ele. Dando sua razão, ela resume com:

You are probably going to be a very successful computer person. But you’re going to go through life thinking that girls don’t like you because you’re a nerd. And I want you to know, from the bottom of my heart, that that won’t be true. It’ll be because you’re an asshole.

A Rede Social não é uma tragédia sobre um pobre garoto sendo corrupto pelo capitalismo, e sim uma história anunciada desde o início sobre como um babaca é capaz de prejudicar todo mundo para realizar sua visão. E no caso de Mark Zuckerberg, considerando os últimos dez anos, quando falo todo mundo digo TODO MUNDO mesmo.

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Críticas, artigos e pensamentos gerais sobre cinema, por Pedro Hollanda